Por racismoambiental,
De Rachel Biderman (enviada por Ruben Siqueira)
O Congresso Brasileiro acaba de aprovar e o Presidente Lula sancionar a lei de Acesso à Informação Ambiental, Lei No. 10.650, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações ambientais existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, instituído pela Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. A Lei é inédita e representa um avanço no Direito Ambiental por tratar-se da incorporação de um dos princípios da Agenda 21, da Declaração do Rio (92) e da Convenção de Aarhus sobre democracia ambiental no ordenamento jurídico de um país: o direito de acesso à informação. Poucos países do mundo editaram legislação semelhante e a norma está sendo considerada um avanço por juristas de outros países. A lei promove a regulamentação de dispositivos constitucionais e de outras normas brasileiras e visa garantir um direito fundamental dos cidadãos, estabelecido pela Lei Maior do país e já consubstanciado em normas internacionais, e objeto de longa discussão doutrinária por parte de juristas de todo o mundo.
A lei foi formulada e proposta pelo Deputado Fabio Feldmann de São Paulo e apresentada por ele em conjunto com a Deputada Rita Camata ao Congresso Nacional em 1998. Sua formulação contou com o apoio de um grupo de juristas e técnicos da área ambiental, alguns dos quais provenientes dos quadros da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo.
Trata-se de uma lei cuja inspiração originou-se de experiência da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo na execução da Resolução 66/96 sobre acesso à informação, editada por Feldmann em 1996, que em muito incrementou a sistematização de informações no sistema estadual de meio ambiente para atender as demandas da sociedade por informação ambiental detida por órgão público.
A proposta de uma lei para regulamentar o acesso à informação ambiental, entendida como aquela detida pelos órgãos de gestão da qualidade ambiental da administração direta, indireta ou fundacional, da União, Estados e Municípios, baseia-se no direito fundamental de todo cidadão de acesso à informação, explicitado em Tratados Internacionais e no Ordenamento Jurídico Brasileiro, mais especificamente nas seguintes premissas:
1. O direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;
2. O direito de todos a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral;
3. O princípio da publicidade que permeia toda a atuação da administração pública, direta, indireta ou fundacional;
4. O objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente de divulgação de dados e informações ambientais e de formação de uma consciência pública sobre a qualidade ambiental;
5. O princípio da Agenda 21 de que a informação pertinente deve ser tornada acessível na forma e no momento em que for requerida e que o desenvolvimento sustentável só será atingido se os processos de tomada de decisões forem baseados no provimento de informações consistentes e confiáveis por aqueles que as detêm;
6. A meta estabelecida na Agenda 21 de que os países devem estabelecer mecanismos para oferecer às comunidades locais e aos usuários de recursos a informação e os conhecimentos técnico-científicos de que necessitem para gerenciar seu meio ambiente de forma sustentável;
7. O princípio contido no artigo 10 da Declaração do Rio adotada em 1992 que dispõe que cada cidadão deve ter acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente, sob a guarda das autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais perigosos e atividades realizadas em suas comunidades, e a oportunidade de participar em processos decisórios e que os Estados devem facilitar e estimular a conscientização pública através do fornecimento amplo de informações.
8. A adoção de normas em diversos países, e em particular, a Diretiva das Comunidades Européias que dispõe sobre o livre acesso à informação sob a guarda do Poder Público;
9. A obrigação do Poder Público de informar a população sobre os níveis de poluição, a qualidade do meio ambiente, as situações de riscos de acidentes, a presença de substâncias potencialmente nocivas à saúde, bem como sobre os monitoramento e auditorias dos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras;
10. A necessidade da garantia da prestação de informações relativas ao meio ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes;
11. A obrigatoriedade da publicidade dos pedidos de licenciamento ambiental, sua renovação e respectiva concessão.
A lei gera importantes conseqüências para os órgãos públicos que terão de adaptar suas práticas para o cumprimento de uma série de seus preceitos, já que deverão organizar e tornar mais facilmente acessível uma série de dados sobre qualidade ambiental que anteriormente encontravam-se sob a guarda de servidores públicos isoladamente, e indisponíveis sob a forma sistematizada que a lei estabelece. Isso não significa que a lei vai tornar acessível dados antes indisponíveis, pois eram e continuam sendo dados públicos, mas ela obriga o poder público a organizá-los de forma racional e eficiente e torná-los mais facilmente encontráveis em diferentes meios e formatos.
A lei obriga os órgãos públicos a permitirem o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a: qualidade do meio ambiente; políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; substâncias tóxicas e perigosas; diversidade biológica; organismos geneticamente modificados.
Isso significa que o poder público não poderá excusar-se em fornecer rapidamente informações em situações de alto risco como aconteceram na história recente em Paulínia – SP ou no caso da contaminação do Rio Paraíba do Sul em Minas Gerais, no episódio da poluição gerada pela empresa Cataguases, que contaminou grande extensão do rio e prejudicou inúmeros municípios e milhares de pessoas.
A lei prevê também que as autoridades públicas poderão exigir a prestação periódica de qualquer tipo de informação por parte das entidades privadas, sobre os impactos ambientais potenciais e efetivos de suas atividades, independentemente da existência ou necessidade de instauração de qualquer processo administrativo. Isso significa que o poder público poderá instar causadores de degradação ambiental a produzirem e fornecerem informações em qualquer situação, sem que seja necessária a existência prévia de um processo administrativo investigativo, por exemplo. Isso é relevante também em situações de acidentes e risco, ou em ações de caráter preventivo, ou de planejamento ambiental.
Outra medida que amplia as possibilidades de acesso à informação relevante para a gestão ambiental é a obrigatoriedade de publicação em Diário Oficial e disponibilização no órgão ambiental, em local de fácil acesso ao público, de listagens e relações contendo os dados referentes a: pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão; pedidos e licenças para supressão de vegetação; autos de infrações e respectivas penalidades impostas pelos órgãos ambientais; lavratura de termos de compromisso de ajustamento de conduta; reincidências em infrações ambientais; recursos interpostos em processo administrativo ambiental e respectivas decisões; registro de apresentação de estudos de impacto ambiental e sua aprovação ou rejeição. Essa determinação da lei obrigará os órgãos públicos a criarem sistemas de gerenciamento e atualização de informações que servirão não só para a população ter conhecimento sobre a qualidade de seu ambiente, mas também para o próprio governo promover ações de planejamento eficazes visando à manutenção e melhoria da qualidade ambiental.
Outro avanço significativo é a obrigatoriedade imposta aos órgãos ambientais integrantes do Sisnama de elaborar e divulgar relatórios anuais relativos à qualidade do ar e da água e, na forma da regulamentação, de outros elementos ambientais. Relatórios de qualidade ambiental são essenciais para a garantia do direito ao meio ambiente saudável, já que representam instrumentos de planejamento e organização das atividades de uma sociedade. Em outras palavras, sem esse tipo de informação fica difícil saber se existe risco para populações viverem em determinadas áreas ou consumirem água de certos cursos hídricos, por exemplo. Outros elementos ambientais são passíveis de análise e registro periódico, e cabe ao poder público regulamentar essa outra possibilidade.
A intenção do legislador foi boa e resta à população e à sociedade civil organizada exigirem o cumprimento dessa norma. O movimento ambientalista e a classe jornalística, dentre outros potenciais usuários, têm agora à sua disposição um importante instrumento para demandar informações sobre qualidade ambiental e promover a cidadania.
*Advogada Ambientalista, Mestre em Ciência Ambiental e em Direito Internacional do Meio Ambiente, ex- integrante do quadro técnico do Instituto Socioambiental, atualmente exercendo o cargo de Secretária Executiva do Instituto Pró-Sustentabilidade, integra a Secretaria Executiva do Observatório do Clima – Rede Brasileira de Ongs e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas
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